domingo, 17 de junho de 2018


 Estudos sobre o Budismo. Continuação do texto Sungarama Sutra. 


Este é um exercício de tradução, voltado para o estudo, sem  intenção lucrativa ou monetária.


B.    Ananda propõe que a mente reside fora do corpo
Ananda se curvou e disse para Buda: “Agora que ouvi Buda (Thus-Come One) explicar o Darma desse jeito, compreendo que minha mente deve estar localizada fora do meu corpo. Por que digo isso? Por exemplo, uma lâmpada acesa em um quarto certamente iluminará primeiro o interior do quarto, e, depois, sua luz irá brilhar através da porta e alcançará os acessos do pátio além do quarto. Já que os seres não veem dentro do próprio corpo mas apenas veem pelo lado de fora, os seres se assemelham à lâmpada caso ela fosse posicionada fora do quarto, e, daí, ela não poderia brilhar sua luz dentro do quarto. Este princípio é perfeitamente claro e além de qualquer dúvida; ele conforma o último ensinamento de Buda – e, por isso, não pode estar errado, não é[1]?
Buda disse para Ananda: “Os monges que me seguiram até Srãvasti para receber suas esmolas em ordem sequencial voltaram, agora, para o Bosque de Jetri, e eles comem suas refeições com os próprios dedos[2]. Terminei minha refeição, mas considere os monges: eles podem estar satisfeitos quando apenas uma pessoa terminou sua refeição[3]?”
Ananda respondeu: “Não, Nobre e Honrado. Por que não? Estes monges são todos Arhats, mas seus corpos físicos, suas vidas separadas, são distintas. Como pode apenas uma pessoa satisfazer todos os outros a se sentirem completos”?
Buda disse a Ananda: “Então, se a sua mente que vê, é consciente, discerne e e conhece estiver fora do seu corpo, seu corpo e mente seria separada e dissociada de cada uma. O corpo não estaria consciente daquilo que a mente conhece e a mente não teria conhecimento sobre o que o corpo tem consciência. Agora, enquanto suspendo minha mão, que é tão leve quanto o algodão, sua mente a distingue enquanto seus olhos a observam”?
Ananda responde: “Sim, Homem Honrado pelo Mundo”.
Buda contou para Ananda: “Então, se sua mente e olhos trabalham em conjunto para perceber minha mão, como a mente pode estar fora do corpo? Desse modo, você pode conhecer que, quando você diz que a mente que é consciente e faz distinções está fora do corpo, você está afirmando o que é impossível”.
O Buda mostra que a mente que é consciente, sabe e faz distinções está fora do corpo, então não existirá nenhuma conexão entre as duas... O corpo não pode estar consciente sobre a mente ou ser influenciada por ela. Se a sua conscienciosidade está em seu corpo, sua mente não deveria ter consciência sobre isso... Mas se sua mente sabe o que os seus olhos estão vendo, como você pode dizer que sua mente está fora do seu corpo?... Note, entretanto, que o Buda não diz que a mente está dentro do corpo. Ele já manteve bem claro que isso, também, é um erro... Ananda apenas sabe como analisar os ensinos de Buda por meio da sua mente consciente, que passa a ser e deixa de ser. Ele não está consciente da continuidade da verdadeira mente (I, 179-81).
C.     Ananda propõe que a mente é uma faculdade da mente
Ananda disse para Buda: “Aquele Honrado pelo Mundo, é assim como o Buda tem dito. Porque eu não vejo dentro do meu corpo, minha mente não está localizada lá, e porque o corpo e a mente trabalham juntos e não estão separadas umas das outras, minha mente não está fora do meu corpo també. Agora veja o que eu penso sobre isso, eu sei justamente onde está a mente”.
Buda disse: “Onde ela está, então”?
Ananda disse: “Porque a mente que discerne e é consciente nada sabe sobre o que existe dentro, mas pode ver o que existe gora, eu acredito, após refletir, que a mente está escondida nos olhos. Por hora, deixe-nos dizer que alguém coloque um copo de cristal transparente sobre seus olhos. Embora o copo de cirstal cubra seus olhos, ele não irá obstruir sua visão. Dessa maneira os olhos podem ver e criar discernimentos apropriadamente. Assim também, minha mente que é desperta e sabe não pode ver o lqado de dentro porque ela está na faculdade da visão.  Ela fixa sobre o que está fora do corpo, vendo claramente e sem impedimento, pela mesma razão: a mente está escondida dentro dos olhos”.
Ananda diz; “Eu acredito” e “após refletir”. Ainda é a sua mente ordinária que está em operação, em trabalho. Nós refletimos e consideramos com a nossa mente ordinária, a mente que aparece no ser e deixa de existir.
Ananda não entende, anida, para onde o Buda o está levando. Em geral, as pessoas não podem esperar compreender o Surangama Sutra tendo estudado até aqui. É necessário estudar o Sutra completo; a partir daí você começará a entendê-lo.... Não há sentido em dizer para você: “Eu não entendo este Sutra, então eu não irei estudá-lo”. É precisamente porque você não o entende ainda que você deve estudá-lo “I, 183).
Buda diz parta Ananda: Vamos assumir que a mente está escondida nos olhos, como você asseverou na sua assertiva dos critais. Quando a pessoa do seu exemplo coloca o copo de cristal sobre seus olhos e olha para as montanhas, os rios, e tudo o mais nesta grandiosa Terra, ele vê o copo de cristal também”?
“Ele vê sim, Homem Honrado pelo mundo. Ele vê o copo de cristal quando o posiciona sobre seus olhos”.
Buda diz para Ananda: “Se, de fato, sua mente pode ser comparada com os olhos de outra pessoa com um copo de cristal colocado sobre eles, então quando você olha para o mundo dos objetos perceptíveis, porque você não vê o seu própio olho? Se você pode ver os seus olhos, os seus olhos seriam parte dos arredores externos. Mas assim sua mente e seus olhos não podem trabalhar juntos e fazer distinções. E, desde que você nao possa ver os seus olhos, por que você diz que a mente que é consciente e faz distinções é aliada e concebida dentro da faculdade do ver, como no exemplo dos olhos com copos de cristal posicionado sobre eles? Saiba, então, que quando você diz que a mente que é desperta e faz distinções é concebida na faculdade do olho, como olhos com copos de cristais posicionado sobre eles, você assevera o que é impossível.
Buda mostra que, se Ananda pudesse ver seus olhos, isso significaria que seus olhos deveriam estar fora dele e, não, serem uma parte do seu próprio corpo. Mas se eles estivessem fora do seu corpo, ele não estaria apto para os ver, porque os olhos precisam estar conectados à mente para completar o processo de ver (I, 187);
D.    Ananda reconsidera Ver Por Dentro e Ver Por Fora
Ananda disse para Buda: “Homem Honrado pelo Mundo, eu agora ofereço uma reconsideração. Nossas vísceras são localizadas dentro de nossos corpos, enquanto nossos orifícios são abertos para o exterior. Nossas vísceras são concebidas na escuridão, mas nos orifícios existe luz. Agora, encarando Buda, com meus olhos abertos, eu vejo a Luz. Ver esta luz eu chamo de “ver para fora”. Ver a escuridão quando eu fecho meus olhos eu chamo de “ver por dentro”. Como soa esta ideia[4]?
Ananda é mais inteligente do que nós. Nõs não conseguiríamos pensar em tantas maneiras para responder. Quandas opões ele já apresentou? Ele tem uma opinião após a outra. Para qualquer coisa que o Buda pergunte, ele possui uma resposta. Ele sempre encontra algo para dizer; ele está cheio de teorias e argumentos e pensamentos e considerações. Ele está, ao fim de tudo, avançado entre os discípulos em seu aprendizado (I, 189)
Buda diz para Ananda: “Considere esta questão, então: quando você fecha seus olhos e vê a escuridão, existe a escuridão diante dos seus olhos? Se a escuridão está diante dos seus olhos, como ela pode estar dentro? Mas se de fato ela estiver do lado de dentro, então se você estiver em um quarto completamente escuro porque não foi iluminado pelo sol ou pela lua ou por lãmpadas, a escuridão do quarto deveria ser a mesma escuridão de suas próprias partes internas. Além disso, se a escuridão não estiver dentro de você, como você pode vê-la[5]? Mas suponha que você vê por dentro de uma maneira que distingue da maneira que você vê por fora. Neste caso – se nós assumirmos que fechar os olhos e assim ver a escuridão significaria ver a escuridão dentro do nosso corpo – então, se você abrir os seus olhos e ver a luz, porque você não vê a sua própria face? Desde que você não pode ver a sua própria face, não há como você ver por dentro, porque se você pudesse ver sua face, então seus olhos e também sua mente que conhece e que compreende deveria ficar suspensa no ar. Então, como elas seriam uma parte do corpo[6]?

Buda continua o seu questionamento... Ananda argumenta que ver a escuridão é ver dentro do corpo; então, quando uma pessoa abre os olhos para olhar para fora, esta pessoa deve ser capaz de ver sua própria face... Mas se uma pessoa não pode ver sua própria face com seus olhos abertos, como pode isso acontecer ao fechar os olhos e, assim, ver o que há por dentro? O que Ananda defende não possui base, de fato (I, 191).
“Se seus olhos e mentes estiverem realmente suspensar no ar, então isso, por consequência, deve indicar que ela não é parte de seu corpo. Se, entretanto, eles forem parte do seu corpo e, ainda, estiverem suspensas no ar, então o Buda, que agora vê sua face, seia parte do seu corpo, também. Então, quando os seus olhos se tornam conscientes de algo, o seu próprio corpo deve estar inconsciente disso. Se você persegue este ponto e diz que o corpo e os olhos possuem, cada um, consciências diferentes, então você deveria ter duas consciências para que você, uma pessoa, pudesse eventualmente se tornar dois Budas. Ainda mais, você deve saber que ver a escuridão é ver o lado de dentro, o que você assevera é impossível[7].
E.    Ananda propõe que a mente vem ao ser em resposta a condições
Ananda disse para Buda: “Ouvi dizer que Buda ensina as quatro assembleias que porque um estado de mente surge, vários objetos percebidos surgem, e porque os objetos percebidos surgem, vários estados de mente surgem. Estou, agora, pensando, no ato preciso de pensar que é uma instância de um estado de mente surgindo em resposta a objetos perceptíveis, na natureza verdadeira de minha mente. Já que a mente passa a ser ao combinar objetos percebidos sempre que eles aparecem. Ele não existe em apenas um das três localizações – dentro, fora e no meio”.
Daí, Buda disse para Ananda: “Agora, você está dizendo que quando os objetos percebidos surgem, vários estados de mente surgem, e por consequência, a mente vem a ser ao combinar com todos aqueles objetos percebidos em qualquer momento que eles apareçam. Mas uma mente como essa não teria nenhuma natureza essencial própria, e não poderia se combinar com nada. Se, ao não possuir nenhuma natureza essencial em si mesma, ela ainda estiver apta a se combinar com a natureza percebida dos objetos, então deveria existis um décimo nono elemento constituinte da percepção, porque uma mente como essa deveria estar combinada com as décima sétima categoria de objetos percebidos – e isso é impossível[8].
Buda refuta a nossa proposição de Ananda como se segue. Se a mente possui localização mas não possui uma natureza essencial, ela deveria existir fora dos dezoito elementos constituintes da percepção. Os dezoito elementos constituintes são as seus faculdades perceptíveis, os seis tipos de elementos percebidos correspondentes às faculdades perceptíveis, e as seis consciênciosidades[9]. Buda mostra que a extensão lógica do argumento de ananda é que existe um décimo nono elemento constituinte, um lugar no qual uma suposta mente insubstancial aparece ao cer e, daí, de “combina com os elementos perceptíveis”. Os objetos da mente deveriam se combinar e deveriam constituis uma sétima categoria de objeto perceptível. Mas não existe esta categoria de objetos (I, 196-6).
“Além disso, se uma mente como essa tivesse uma natureza essencial em si mesma, daí, se você tivesse que beliscar a você mesmo, onde estaria a mente que tem consciência de onde vem o beliscão? Ela deveria vir de dentro do corpo, ou deveria vir do lado de fora? Se ela viesse do lado de dentro, então, mais uma vez, você veria o lado de dentro do seu corpo. Se ela viesse do lado de fora, você veria a sua face, primeiramente[10].
Ananda diz: “São os olhos que veem. É a mente, e não os olhos, que é consciente. Supor que é a mente que vê não é a minha ideia”.
Buda diz: “Se os olhos podem ver, então, por analogia, quando você estiver em um quarto, deveria existir um corredor, não você, que vê o que há fora do quarto. Não apenas isso: quando alguém morrer com seus olhos intactos, seus olhos ainda poderiam ver. Mas como pode uma pessoa morte ver?
“Ananda, se a sua mente que é desperta e sabe e faz distinções verdadeiramente tiver uma natureza essencial em si mesma, então ela debe ter uma natureza essencial única ou múltiplas naturezas essenciais? Deveria essa natureza essencial permear o seu corpo o unão? Suponha que exista uma única natureza essencial: então, se você beliscar um membro, você não deveria sentir aquele beliscão em todos os quatro membros? Se você fizer, o sentimento do beliscão não deveria estar confinado em um único local. E se o sentimento do beliscão estiver confinado em um único local, ele deveria seguir que a sua mente tem apenas uma única natureza essencial. Mas se sua mente tiver múltiplas naturezas essenciais, você deveria ser múltiplas pessoas. Qual das naturezas essenciais você seria? Além disso, se uma única natureza essencial permeia o seu corpo, então um único belisção – como no exemplo anterior – deveria ser sentido por todo o seu corpo. Mas se a essência mental não permeia o seu corpo, então se você tocar sua cabeça e tocar o seu pé no mesmo momento, você sentiria o toque na sua cabeça, mas não sentiria o toque em seu pé. Ainda, não é isso o que a experiência é[11].
“Mais ainda, você deve saber que quando você diz que a mente vem a ser ao combinar com objetos percebidos tão logo eles apareçam, você assevera o impossível”.


[1] Nesta passagem, Ananda oferece uma segunda proposição e ele leva adiante por sua própria vontade que é muito similar à primeira proposta por Buda.
[2] Uma maneira tradicional de se comer na Índia.
[3] Seguindo as convenções para iniciar um silogismo, Buda sugere um fato da vida ordinária para demonstrar a verdade do que ele propõe, qual seja, a falsa proposição de Ananda ao sugerir que a mente esteja localizada fora do corpo. Ele aplica a instância de sua proposição na sentença inicial “Então, se sua mente que vê...” e conclui na sentença inicial “Deste modo, você pode conhecer...”. Este padrão é repetido para refutar cada uma das proposições de Ananda a respeito da localização da mente.
[4] Ananda agora propõe, em sua quarta suposição, que o que é escuro é interno e o que é luminoso é externo, asism ele pode retornar para sua primeira proposição, que a mente é localizada dentro do corpo. Se dentro do corpo for escuro, as objeções de Buda de que a mente deveria ver os órgãos internos primeiro é removida.
[5] Buda acaba com a nova posição de Ananda em dois estágios. Ele, primeiramente, anaisa a escuridão que é vista quando os olhos estão fechados. Conforme o entendimento budista sobre a percepção, o que nós vemos, inclusa a escuridão que vemos quando nossos olhos estão fechados, deve existir antes da faculdade da visão, na intenção de que a faculdade da visão a perceba, e depois ela deve estar fora do corpo, não dentro dele. Assim, observando o caso da escuridão que vemos quando nossos olhos estão abertos, a exemplo de um quarto que esteja completamente escuro, Buda apresenta que a escuridão é interna, como Ananda fala, e daí tudo que tivr um grau de escuridão externa deve estar dentro de nossos corpos.
[6] Se alguém vê a escuridão interior e a luz exterior, então, embora a face não possa ser vista como uma parte do mundo externo iluminado, ela deveria ser vista como um opósito iluminado interno. Ou, se colocarmos de outra maneira, quando alguém abre os olhos e vê o ambiente externo ilunimado, ele não pode virar a visão dele mesmo para ser sua própria face; opr que, então, deveríamos supor que quando os olhos de alguém está fechado, este alguém pode virar sua visão e observar a escuridão que existe em seu próprio coropo? Se a face própria de alguém pudesse ser vista – se ela tivesse se tornado parte comum de um ambiente externo – ela deveria ser externa para a mente e para os olhos daquela pessoa. Já que a face é parte do corpo, os olhos e mente deveriam, então, flutuar em um espaço vazio, externo ao corpo. O Buda continua a explicar para Ananda que os seus olhos e mente não são parte do seu corpo, então seu corpo deve ser um objeto externo como qualquer outro. Ou vice versa: se a mente e olhos de ananda são partes do seu corpo depois de tudo, a despeito destes entes estarem suspensos no espaço, então os olhos e mentes da pessoa, que também seriam externos ao corpo de ananda, deveriam ser partes do seu própprio coro. Além disso, Buda conclui que isso deve ser o caso que “Buda, que agora v~e sua face, deveria ser parte do seu corpo também”.
[7] Na segunda parte de sua refutação, Buda altera seu foco do que é visto para aquilo que é visto por alguém. Ele mostra que, se os olhos e a mente são separadas do corpo, então sua consciência é localizada nos olhos e na mente, o corpo é deixado com nenhuma consci~encia. Se os dois, entretanto, tiverem suas próprias consci~encias separadas, e estocarem duas diferentes formas de conhecimento, então dois diferentes tipos de consciência estariam envolvidas, e, portanto, duas pessoas diferentes. Mais adiante, Buda conclui que: “você, uma pessoa, poderia, eventualmente, se tornar dois Budas”.
[8] Buda discute a ramificação das novas proposições de Ananda em termos de natureza essencial e de localização da mente. Primeiro, se a mente não possui natureza essencial em si mesmo, ela é desprovida de uma localização ou tem uma parca localização. Segundo, se a mente realmente não possuir nenhuma natureza essencial, então (a) para estár de acordo com as condições ela deve ter um lugar definitivo, assim que ela se mode de uma seleção de combinações para a próxima e (b) ela deve ser composta tanto de uma única naturerza essencial que permeia o corpo ou múltiplas naturezas essenciais. Se a mente não possui uma natureza essencial em si mesma, não faz sentido falar sobre isso unindo-a a uma outra coisa qualquer. Ela teria uma localização sem uma natureza essencial, não deveria estar localizada em nenhum dos dezoito elementos constituintes (SKC. Dhãtu), que contradiz os fundamentos dos ensinos budistas.
[9] Contato entre faculdade e objeto é necessário mas não uma condisão suficiente para o surgimento de uma das seis conscienciosidades.
[10] Ao referir um exemplo de uma pessoa beliscando a si mesma, Buda morra que não é lógico supor que a mente tem uma natureza essencial e, ainda, não possui um local definitivo. Conforme a ideia de Ananda, a mente não pode existir até que condições necessárias apareçam. Um beliscão é localizado na fronteira entre o interno e o externo, por isso, antes que a mente posa aparecer em existência na localização do beliscão, a natureza essencial da mente deve estar localizada ao mesmo tempo dentro e fora do corpo – possibilidade alternativa que já fi refutada.
[11] Buda diz que a mente é composta de uma única natureza essencial que permeia o corpo, que o belisção do corpo deve ser discernida não apenas na sua atual localização mas por toda a extensão da mente (i.e, por todo o corpo). Por outro lado, se a mente é comporta de mais de uma natureza essencial, então Ananda deveria ser duas pessoas, como o Buda demonstrou ao refutar a quinta suposição de Ananda. Se a mente tivesse uma única netureza essencial que não permeasse o corpo, então quando a pessoa tocasse a cabeça e o pé ao mesmo tempo, ela não estaria consciente dos dois ao mesmo tempo.

sábado, 26 de agosto de 2017

A. Ananda propõe que a mente está no corpo

 Continuação da Tradução do Surangama Sutra, comentado pelo venerável mestre Hsuan Hua. Versão em inglês disponível em: 
http://www.weebly.com/uploads/6/3/3/1/6331706/surangama_new_translation.pdf
Este é um exercício de tradução, voltado para o estudo, sem  intenção lucrativa ou monetária.

CAPÍTULO 2
A localização da Mente
A.    Ananda propõe que a mente está no corpo
’Homem Honrado pelo Mundo”, Ananda disse para Buda, “As dez classes de seres[1] em todos os mundos acreditam que a mente consciente reside no corpo; e conforme eu me lembro dos olhos azuius de lótus daquele-Que-Pode-Vir-A-Ser, eu sei que eles são parte da face de Buda. Ela é claramente uma parte de seu corpo. É evidente que os órgãos físicos que correspondem aos quatro tipos de objetos perceptíveis[2] são parte de minha faze e, por isso, minha mente consciente, também, é certamente encontrada em meu corpo”.
Buda disse para Ananda, “Agora, enquanto você sente no Caminho do Darma Daquele que Pode Vir a Ser, você pode observar o bosque do príncipe Jetri. Onde está o bosque?
“Este maravilhoso e sagrado caminho de Darma, com muitas de suas histórias, Honrado Pelo Mundo, está no Jardim do Benfeitor dos Orfãos e Sem Filhos, e o Bosque do Príncipe Jetri está fora do sagão”.
“Ananda, qual é a primeira coisa que você vê do lugar que você ocupa no pátio”?
“Homem Honrado pelo Mundo, aqui do pátio olho em primeiro lugar para Aquele-Que-Virá-A-Ser. Posso ver, também, uma grande assembleia. Daí,olho mais além e vejo o bosque no parque”.
“Por que isso, Ananda? Por que quando você olha para fora você pode ver o bosque no parque”?
“Homem Honrado pelo Mundo, já que as portas e janelas deste belíssimo pátio foram abertas, posso ver o pátio e ainda ver em distância”.
Buda disse para Ananda: “É desse modo como você disse. Alguém que esteja no pátio pode ver longe no bosque e parque quando as portas e janelas estejam abertas. Agora, pode uma pessoa que esteja no pátio não ver Buda e, ainda assim, ver o lado de fora do pátio”?
Ananda respondeu: “Isso não seria possível, Homem Honrado pelo Mundo. Não seria possível estar no pátio e ver o bosque e as fontes e não ver Aquele-Que-Virá-A-Ser”.
“Ananda, é a mesma verdade contigo. Você tem inteligência para entender a tudo perfeitamente. Se sua mente, que é clara em entendimento, estivesse dentro do seu corpo, então a parte de dentro do seu corpo seria o que sua mente entraria primeiro em contato e teria conhecimento. Existem seres que veem dentro de seus corpos antes mesmo de observar as coisas do lado exterior[3]? Mesmo que eles não consigam ver seus corações, fígago, intestinos ou estômagos, eles podem ao menos detectar o crescer de suas unhas e cabelos, a torção dos nervos e o latejar de seus pulsos. Por que, então, você não é capaz de ver essas coisas? E, desde que sua mente não é por definição visualmente cognoscente sobre o que acontece em seu corpo, como ela pode ter conhecimento sobre o que acontece fora do corpo? Assim, você pode saber que quando você diz que é a mente que é consciente e faz distinções é a que reside dentro do corpo, você sabe que isso é impossível”.
B.     Ananda propõe que a mente reside fora do corpo
Ananda se curvou e disse para Buda: “Agora que ouvi Buda (Thus-Come One) explicar o Darma desse jeito, compreendo que minha mente deve estar localizada fora do meu corpo. Por que digo isso? Por exemplo, uma lâmpada acesa em um quarto certamente iluminará primeiro o interior do quarto, e, depois, sua luz irá brilhar através da porta e alcançará os acessos do pátio além do quarto. Já que os seres não veem dentro do próprio corpo mas apenas veem pelo lado de fora, os seres se assemelham à lâmpada caso ela fosse posicionada fora do quarto, e, daí, ela não poderia brilhar sua luz dentro do quarto. Este princípio é perfeitamente claro e além de qualquer dúvida; ele conforma o último ensinamento de Buda – e, por isso, não pode estar errado, não é[4]?



[1] NA parte 9.2 abaixo, o Buda descreve doze tipos de seres conforme a maneira de seus nascimentos.
[2] Olhos, orelhas, nariz e língua, correspondendo respectivamente aos objetos visíveis, sons, odores e sabores. O quinto par – o corpo e os objetos do toque – será incluso.
[3] Conforme os ensinamentos budistas, a faculdade cognitiva age em conjunto com a faculdade da visão no processo de percepção visual dos objetos. A faculdade da visão sente o objeto e a mente reconhece o que ele é.
[4] Nesta passagem, Ananda oferece uma segunda proposição e ele leva adiante por sua própria vontade que é muito similar à primeira proposta por Buda.

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

CAPÍTULO 1 A NATUREZA E A LOCALIZAÇÃO DA MENTE


 Continuação da Tradução do Surangama Sutra, comentado pelo venerável mestre Hsuan Hua. Versão em inglês disponível em: 
http://www.weebly.com/uploads/6/3/3/1/6331706/surangama_new_translation.pdf

1.      O pedido do Dharma
Quando Ananda viu Buda, ele curvou-se e chorou arrependido. Ele lamentou que, desde tempos sem início, ele devotou a si mesmo para a erudição, mas não tenha desenvolvido plenamente sua prática no Caminho. Respeitosamente e repetidamente, ele pediu ao Buda para explicar para ele os passos elementares que o levariam para alcançar as práticas maravilhosas de acalmar a mente, pensamentos contemplativos e permanência na meditação[1] - práticas através das quais Aquele-que-virá-a-ser em todas as direções se tornou plenamente desperto.
Enquanto isso, os Bodhissattvas lá estavam, em tão grande número quanto os grãos de areia do Rio Ganges, ao lado de grande Arhats, Sábios Solitários e outros seres das dez direções, todos aguardaram ansiosamente para ouvir as instruções de Buda. Eles sentaram e esperaram silenciosamente ouvir as instruções do Sábio.
Então, o Honrado-pelo-Mundo, diante de uma grande assembleia, estendeu seu grande braço dourado, circundou suas mãos na coroa da cabeça de Ananda[2], e disse para Ananda e todos aqueles reunidos naquele local: “Existe um pequeno samãdhi chamado “O Grande e Real Surangama que foi Falado do Alto da Coroa da Cebaça de Buda e que é a Perfeição das Miríades de Práticas”. É um maravilhoso caminho, um portal único no qual os Budas de todas as dez direções passaram na intenção de transcender o mundo condicionado. Vocês todos devem ouvir agora com muita atenção”. Ananda humildemente concordou e aguardou pelas instruções de compaixão.

Por que foi impossível a Ananda resistir ao feitiço maldoso, mesmo que ele já tivesse atingido o primeiro estágio de um Arhat? Ele estava praticando samadhi com sua mente consciente[3]. Quando ele escutava os sutras, ele relembrou os princípios dos quais Buda falava... Mas a mente consciente relembra que os princípios não podem guiar para uma solução fundamental, e, por isso, quando Ananda encontrou uma influência demoníaca, ele falhou em reconhecer isso... A mente consciente é o sujeito vindo a Ser o que pode ser e Deixando de Ser o que era e esta consciência ainda não é a última. Se ao invés de um indivíduo basear sua prática na busca pela verdadeira natureza na qual nenhum dos seres torna-se o Ser que Deve Ser ou não Deixa de Ser o Ser que deve Deixar de Ser, o indivíduo pode desenvolver um samadhi que nem o torna um Ser Pleno e nem o Retira do ser que Ele é. Este é o samadhi genuíno: aquele que não pode ser afetado por forças exteriores. A força de tal samadhi pode ser vitoriosa em qualquer configuração de circunstâncias, positivas ou negativas. No meio de todas elas, o Ser pode se manter constante “assim como o Ser é, pleno e para sempre luminoso”. Este é o genuíno samadhi. Se eventos felizes lhe tornam feliz e eventos tristes lhe deixam triste, isso significa que você está influenciado pelas circunstâncias. Se você se mantiver pulando da alegria para a fúria, da tristeza para a felicidade: você estará influenciado pelas circunstâncias. Ao invés disso, você deve ser como um espeho, que reflete o que aparece nele e, assim, se mantém constante. Isso é o que significa ter uma sabedoria genuína (I, 146-7).

Buda disse para Ananda, “Você e eu somos membros da mesma família[4] e compartilhamos a afeição que é natural entre parentes. No momento em que você resolveu priorizar se tornar iluminado, quais foram os excelentes atributos que você viu em meu Dharma que imediatamente levaram você a rejeitar a profunda afeição familiar e amor conjugal encontrados no mundo”?
Ananda respondeu para Buda: “Eu vi os 32 caminhos Daquele-Que-Pode-Vir-A-Ser, que são tão profundamente maravilhosos e incomparáveis que todo este corpo pode brilhar como um cristal, com uma radiação refletora imensurável. Frequentemente, pensava comigo mesmo que o corpo com tais marcas do caminho não poderia gerar a consequência de um ato de amor sexual. Por quê? As energias do desejo são grosseiras. O sexo pútrido resulta em uma imersão turva em substâncias procriativas; tais coisas não podem gerar um corpo com as maravilhosas, puras, magnificentes e brilhante concentração de luz púrpura-dourada. Por isso eu admirei o Buda e por isso eu deixei o cabelo cair de minha cabeça[5]: para que eu o pudesse seguir”.
Buda disse: “Excelente, Ananda! Todos vocês devem saber que desde tempos sem início, todos os seres passam por morte e renascimento e apenas porque eles não estão conscientes do puro entendimento que é a natureza essencial da última verdade da mente. Ao contrário disso, os trabalhos de suas mentes são distorcidos, e porque os trabalhos de suas mentes são distorcidos, eles estão presos ao ciclo da morte e do renascimento.
“Agora eu quero que todos vocês perguntem sobre a iluminação insuperável e que descubram sobre a verdade de suas próprias naturezas. Vocês devem responder minha pergunta com retidão e diretamente, porque este é o caminho daquele que Há-De-Ser em todos os lugares através das dez direções. Todos que atingiram este caminho seguiram esses passos enquanto se livraram da morte e do renascimento. Suas mentes e suas palavras eram retas e diretas e, portanto, em todos os pontos do seu progresso – do primeiro estágio ao último – eles não eram nem um pouco evasivos.
“Agora, Ananda, pergunto isso a você: quando, em resposta aos 32 caminhos Daquele-Que-Virá-A-Ser, você primeiro resolveu se manter próximo ao despertar completo, o que é isso que pode ser visto nos 32 caminhos e quem foi aquele que apreciou o caminho com delícia e amor”?
Ananda respondeu ao Buda: “Homem Honrado pelo Mundo, eu aprecio e amo os caminhos com minha mente e olhos. Porque eu vi com meus olhos as excelentes realizações Daquele-Que-Pode-Vir-A-Ser, minha mente admira e aprecia suas realizações. Desse modo, decidi me livrar da morte e do renascimento”.
Buda disse para Ananda: “É assim do modo como você diz: sua mente e seus olhos são a razão para sua admiração e prazer. Aquele que não saiba onde esteja sua mente e seus olhos não estarão aptos para vencer os desafios do engajamento com os objetos perceptíveis[6]. Considere, por exemplo: quando saqueadores invadem um país e o rei manda adiante seus soldados para os espantarem, os soldados devem primeiro conhecer onde os saqueadores estejam. É culpa de sua mente e de seus olhos que você esteja preso ao ciclo da morte e do renascimento. E, agora, estou perguntando a você: onde estão sua mente e seus olhos”?



[1] Skt. Samatha, samápatti, dhyãna.
[2] Skt. Samatha, samapatti, dhyana.
[3] Skt. Citta. Ch. Xin. A mente nas quais as distinções são feitas baseadas na ignorância.
[4] Ananda e Buda eram primos por parte de pai,.
[5] Monges budistas e freiras devem raspar suas cabeças para entrar na vida monástica. A prática continua até os dias atuais
[6] Ch. Chen lao. Esta é a primeira menção de um tema no qual Buda retorna frequentemente no Sutra: os desafios e cansaço que se atinge inevitavelmente como resultado na imersão no mundo dos sentidos. O tema é desenvolvido completamente nas partes IV e V.

terça-feira, 15 de agosto de 2017

SUTRA SOBRE O SURANGAMA MANTRA QUE FOI FALADO ABAIXO DA COROA DA CABEÇA DO GRANDE BUDA SOBRE AS BASES ESCONDIDAS DAS MIRÍADES DE PRÁTICAS BODHISSATTVAS DAQUELES-QUE-PODEM-VIR-A-SER QUE NOS LEVA A VERIFICAR AS VERDADES ÚLTIMAS

SUTRA SOBRE O SURANGAMA MANTRA QUE FOI FALADO ABAIXO DA COROA DA CABEÇA DO GRANDE BUDA SOBRE AS BASES ESCONDIDAS DAS MIRÍADES DE PRÁTICAS BODHISSATTVAS DAQUELES-QUE-PODEM-VIR-A-SER QUE NOS LEVA A VERIFICAR AS VERDADES ÚLTIMAS

Continuação da Tradução do Surangama Sutra, comentado pelo venerável mestre Hsuan Hua. Versão em inglês disponível em: http://www.weebly.com/uploads/6/3/3/1/6331706/surangama_new_translation.pdf

Traduzido para o Chinês durante a Dinastia Tang pelo monge Ancião Paramiti da Índia Central. Revisado pelo monge ancião Meghasíka de Uddiyana. Verificado por monge ancião Huaidi do Monastério Nanlou em Mt. Loufou.

Prólogo
A ocasião de ensinamento[1]
Assim ouvi[2]: em um momento, Buda estava na cidade de Sravasti em um sublime encontro no Bosque com o príncipe Jetri[3], junto com um grande número de monges[4], 250 no total. Estes discípulos de Buda eram grandes Arhats, livres de oscilações[5], eles se prenderam ao Darma e o sustentaram. Eles transcenderam completamente toda a existência e seu perfeito comportamento inspirou temor em todos os lugares em que íam. Eles seguiram Buda ao girar a roda do darma[6] e foram supremamente dignos do que Buda concedeu a eles. Severos e puros na aderência ao código monástico[7], eles eram ótimos exemplares para os seres nos três reinos da existência[8]. Para liberar os seres, eles apareceram em incontáveis corpos em resposta àquilo que os seres necessitavam e, no futuro, eles poderiam resgatar outros seres, que, por sua vez, poderiam transcender do fogo de seus apegos aos objetos sensórios.
Os líderes Arhats foram Shariputra, grande em Sabedoria, e MahaMaudgalyãyana, Mahã-Kausthila, Purnamaitrayaniputra, Subhuti, Upanisad e outros. Incontáveis Sábios Solitários, que não precisavam de mais instruções[9], assim como outros seres que apenas recentemente decidiram atingir a completa iluminação[10], também foram até o local onde Buda e os monges estavam. Foi durante os Dias do Desabafo (Unburdening[11]) na conclusão do retiro de verão. Bodhissattvas de todas as dez direções[12] estavam lá reunidos também; eles desejavam aconselhamentos para resolver suas dúvidas[13]. Todos estavam respeitosos e obedientes para o inspirador e compassivo Que-Virá-A-Ser enquanto eles mesmos se preparavam para compreender os sentidos ocultos.
Pessoas que se tornaram iluminadas são livres de oscilações: as oscilações do desejo, as oscilações da existência e as oscilações da ignorância. Porque eles são livres de oscilações, eles não caem no reino do desejo, no reino das formas e no reino além das formas. Nós, pessoas, lidamos agora com o reino do desejo... Ele é denominado reino do desejo porque as pessoas nele possuem desejos por coisas materiais ou por sexo, desejos que eles não conseguem colocar um ponto final... As oscilações da existência são sofridas por seres que estão além destes desejos e que lidam com os paraísos dos reinos das formas... Estes seres ainda não conseguem controlar os seus desejos por uma experiência corpórea... Além destas duas oscilações, e da maior das três, há a oscilação da ignorância, que é a fonte de todas as aflições. Quando esta oscilação acabar, as outras duas também cessarão (I, 99-100)[14].

Aquele-que-virá –a-ser[15], tendo arranjado seu assento, sentou quieto e pacificamente, e, aí, para o benefício de todos na plateia, falou sobre o profundo e sobre o misterioso. A assembleia, pura em mente e no corpo, aprendeu naquele Banquete do Dharma, o que eles não sabiam antes. A voz Imortal foi como o chamado do pássaro kalavinka[16] e podia ser ouvido em mundos através das dez direções. Existiam tantos Budas quantos grãos de areia no Ganges reunidos no lugar do despertar, com Mañjusri como seu líder.
O Rei Prasenajit, no aniversário do dia de luto do seu pai, o último rei, organizou um festival vegetariano no hall de banquetes do palácio. Ele convidou Buda e Aquele-que-virá-aser em pessoa para comer uma variedade de guloseimas. Ele tamb´rm convidou os grandes Bodhissattvas. Enquanto isso, na cidade, os mais velhos e outros haviam também preparado comidas para Sangha[17] e eles aguardaram a chegada de Buda para receber suas oferendas. Buda direcionou Muñjusri para designar os Arhats e Bodhissattvas para aceitarem as comidas vegetarianas puras que os doadores ofereciam.
Quando doadores ofertam para as Três Joias – Buda, Dharma e Sangha – eles plantam sementes que crescem e amadurecem como bênçãos no futuro. Assim, pessoas que entraram na vida monástica são chamadas “campos para bênçãos”. Pessoas que participam das recompensas de muitas bênçãos são plenamente satisfeitas. Aqueles que sentem que suas bênçãos não são suficientes devem realizar mais oferendas para as Três Joias (I, 130).

Apenas Ananda estava atrasado para o compromisso do Sangha. Mais cedo, ele havia viajado para uma distância na intenção de aceitar um convite especial e não havia retornado. Nenhum monge mais treinado[18] o estava acompanhando como professor e ele retornava sozinho pelo caminho.
Ananda vai passar por tribulações, e a razão disso é que ele estava sozinho. Ele havia aceitado um convite especial... Basicamente, monges não devem aceitar convites especiais... A regra do Budismo é que todos os membros da Sangha em uma comunidade particular devem ser convidados como um grupo... Além disso, membros da Sangha devem viajar sempre ao menos em pares, embora algum entre eles que tenha a samadhi mais forte possa realizar atividades por si mesmo (I, 126-8).

Até então Ãnanda não havia recebido nenhuma oferenda. No tempo apropriado, ele pegou seu pote de pedido e, enquanto caminhava pela cidade, aceitou oferendas em ordem sequencial[19]. Enquanto recebia esmolas do primeiro ao último doador[20], ele pensou consigo mesmo que poderia aceitar comida pura de qualquer pessoa, não apenas dos honoráveis da família Ksatriyas[21] e outros de classes puras, mas também dos Candãlas[22] e outros que eram considerados impuros. Enquanto praticava imparcialidade e compaixão, ele não iria favorecer apenas as gentes mais humildades; ele estava determinado para assistir todos os seres para criarem méritos além das medidas. Ananda sabia que Aquele-Que-Virá-A-Ser, o Ser-Honrado-pelo-Mundo[23] havia admoestado os Arhats e Subh~uti e Mahãkãsyapa por terem sido preconceituosos com os doadores de esmolas. Ananda reverenciou as instruções Daquele-que-virá-a-ser: que as esmolas fossem recebidas imparcialmente e assim as pessoas não seriam levadas a duvidar ou a caluniar.
Por que Ananda queria praticar a imparcialidade e compaixão durante seu período de pedir esmolas? Mais cedo, ele ouviu Buda repreender Subh~uti e Mahãkãsyapa sobre seus modos de receberem as esmolas... Era da opinião de Subhuti que ele deveria receber esmolas exclusivamente dos ricos, na base de que pessoas com dinheiro poderiam criar mais mérito... porque se eles não fizerem oferta alguma em vida, eles não terão dinheiro algum na próxima vida... Mahãkãsyapa, por outro lado, recebia esmolas exclusivamente dos pobres. Ele pensou: “Pessoas sem dinheiro algum criam méritos através de suas boas intenções, assim na próxima vida eles poderão ser ricos e honrados. Se eu não os ajuda-los recebendo esmolas deles, assim, na próxima vida e no futuro, eles continuarão a serem pobres”. Eu acredito que existe outra razão sob o comportamento deles. Parece justo dizer que Subhuti gostava de comer boa comida e Mahãkasyapa, entre outros discípulos de práticas ascéticas, comiam o que alguns não aguentavam e suportavam o que alguns não conseguiam suportar (I, 130-1).

Tendo passado pelo fosso da cidade, Ananda caminhou vagarosamente para os portões exteriores, à sua maneira apropriada enquanto ele seguia estrita e respeitosamente as regras de aceitar comida pura. Porque recebia esmolas em sequência, ele, por chance, passou por uma casa de cortesãs e lá ele foi assaltado por um artifício poderoso. Paraíso[24], uma jovem mulher Matanga seduziu Ananda para sua cama. Lá, ela o cuidou lascivamente, até o nível em que os poderes de seus votos[25] estavam no limite de serem quebrados.
Sabendo que Ananda estava sucumbindo na influência carnal do feitiço, Aquele-que-virá-a-ser terminou sua refeição imediatamente e retornou para os terrenos monásticos. O Rei, seus ministros mais experientes, os idosos e outros laicos, desejosos de ouvir a essência do Darma, seguiram logo após Buda. Assim, da coroa de sua cabeça[26] o Honrado-pelo-Mundo soltou quatro luzes invencíveis que brilhavam como centenas de pedras preciosas. Buda Shakyamune apareceu naquela luz como um Buda, sentado em uma posição de flor de lótus com uma centena de pétalas sagradas, e proclamou um mantra espiritual poderoso[27].
O Surangama Mantra é o rei dos reis dos mantras. Ele é extremamente importante. Estudantes do Darma de Buda que podem aprender este mantra em suas vidas presentes viverão uma vida preciosa e não desperdiçarão sua vida em vão (I, 97-8).

Buda instruiu Manjusri a ir até Ananda e protege-lo com um mantra espiritual poderoso e, uma vez que o mau feitiço fosse vencido, Manjusri deveria dar apoio a Ananda e também para a jovem Matanga, e encorajar ambos a retornarem com ele para onde o Buda estaria.



[1] Como mencionado na introdução, esta divisão e todas as subdivisões foram adicionadas pelos tradutores para acrescentar o entendimento.
[2] “Eu” refere a Ananda, o primo e discípulo de Buda Shakyamunni, que recitou os ensinamentos de Buda para uma assembleia de discípulos iluminados após o nirvana de Buda. Ele é protagonista e narrador deste Sutra.
[3] O bosque foi doado para Buda pelo príncipe Jetri. Foi parte do parque chamado Jardim dos Beneficiadores dos Órfãos e das Crianças sem Pais. O parque foi doado para Buda pelo lama budista Anathapindada.
[4] Sânscrito: bhiksu. Um monge budista plenamente ordenado. A forma feminina em sânscrito é bhiksuni. Em chinês: biqiu.
[5] Em sânscrito: anãsrava. “Oscilações” refere-se ao desprendimento de energia em direção a objetos que algum percebe, incluindo objetos de desejo.
[6] O que seja, ensinar utilizando as palavras de Buda.
[7] Vinaya.
[8] O reino do desejo, o reino da forma e o reino além da forma. Veja mais na parte 9,11.
[9] Em sânscrito, asáika. Chinês, wu xue. Aqueles que não precisam de mais instruções são os Sábios Solitários e os Arhats do quarto estágio, em oposição aos sáika (chinês, you xue). Arhats, que estão ainda nos três primeiros estágios e ainda precisam de instruções – inclusos Ananda, que é foco no sutra, está no primeiro estágio no começo do sutra.
[10] Em sânscrito, Bodhi. Em chinês, pu ti. Completa iluminação.
[11] Skt. Pravãrana, os dias finais do retiro monástico durante o período chuvoso.
[12] As dez direções são: norte, sul, leste, oeste, noroeste, nordeste, sudeste, sudoeste, acima e abaixo.
[13] Eles não compreendiam as “Bases Escondidas” mencionadas no título do Sutra.
[14] Este é o primeiro excerto do Vem. Mestre Hsüa Hua citado no presente volume. Para assegurar uma clara distinção entre as passagens do texto do Sutra e das passagens do comentário, os excertos dos comentários possuem outra parafragação e outra fonte. As referências, dadas em parênteses ao final de cada passagem ou comentário do parágrafo, cita o volume e o número de página no qual os excertos podem ser encontrados na edição de 2003 deste Sutra editado pela Sociedade de Tradução de Textos Budistas. Os excertos foram editados com brevidade e conforme a presente tradução.
[15] Skt. Thatãgata. Ch. Ru lai, um título honorífico para o Buda.
[16] O kalavinka é um pássaro indiano com um canto puro e penetrante. O “Imortal” é Buda.
[17] A palavra sânscrita sangha significa “comunidade”. Aqui – e mais frequentemente nas tradições budistas asiáticas – Sangha refere especificamente à comunidade monástica de monges e freitas, ambas plenamente treinadas e ordenadas.
[18] Skt. Ãcãrya, um exemplar no seguimento das regulações monásticas.
[19] Ou seja, sem pular nenhuma das casas de sua rota.
[20] Skt. Dãnapati, doador de esmolas.
[21] A classe real e guerreida da Sociedade Antiga Indiana.
[22] Uma tribo de banidos da sociedade Indiana.
[23] Skt. Bhagavãn. Ch. Shi zun, um título honorífico de Buda.
[24] O Paraíso de Brahma pertence ao reino da forma e corresponde ao nível da meditação focada (single-minded) conhecida como a primeira dhyãna. Veja a parte 9.11 b.
[25] Ch. Je ti. A frase indica que a força moral que cresce ao receber e ao seguir os preceitos budistas.
[26] Na coroa da cabeça de Buda existe uma carne proeminente (Skt. Usnísa), que é a primeira das 32 distintivas marcas que são características dos corpos de todos os Budas.
[27] Surangama Sutra, veja a parte 8. Os mantras são, em geral, frases faladas nas quais os significados primários não são cognitivos, mas aqueles significados e poderes sustentam-se em um nível espiritual que transcende o entendimento verbal ordinário.